A corda é mais fraca para Brasil ou EUA? Depende de quem conta
Somos andando

É comum, embora não recomendável, que os meios de comunicação se contradigam em suas diferentes edições, de acordo com as conveniências do momento. Mas, quando a contradição aparece no mesmo parágrafo de um mesmo texto, acaba virando descaramento.
A página 4 da Zero Hora de hoje (18) diz que o mais esperado seria que “um presidente brasileiro recém-eleito visitasse o vizinho mais poderoso”, de acordo com a “liturgia do poder”. Ou seja, é normal que o fraco puxe o saco do forte para não apanhar. Eis que aparece, na frase seguinte, a interpretação do que acontece este fim de semana no Brasil: Obama vem ao nosso país para poder definir a agenda. Ela conta ainda que é praxe que os visitantes definam o tema e o ritmo dos contatos.
Em apenas um parágrafo, a repórter Marta Sfredo diz que não temos saída: ou o Brasil é subserviente indo aos Estados Unidos babar sobre o presidente da ex-superpotência, mesmo definindo sobre o que e com quem conversar, ou é vassalo ao se submeter à agenda definida pelos americanos. A repórter não diz qual é a solução para a equação, mas a única alternativa que resta é romper relações ou se encontrar no meio do oceano – descarto a possibilidade de a conversa ocorrer em outro país porque a escolha do território do presidente x ou y pode ter um significado mais favorável ao Brasil, ou mais provavelmente, aos Estados Unidos.
Lula se elegeu e foi conversar com Bush em Washington. Dilma se elegeu e recebe a visita de Obama em Brasília. Uma inversão extremamente significativa. Pode não ter consequências práticas imediatas, quiçá até de médio e longo prazo. Mas representa uma mudança na correlação de forças da geopolítica mundial. Não há mais um país que domine todos os outros, e o Brasil não é mais uma nação emergente sempre mendigando para ganhar qualquer espaço. O cenário não é mais hegemônico, sequer bipolar. Vivemos hoje em um contexto de multipolaridade, que foi conquistado pelos emergentes por sua política externa altiva – com grande destaque para o Brasil – ao mesmo tempo em que a principal potência, mais a União Europeia, pisavam na bola nas suas estratégias.
Obama agora praticamente depende mais da boa vontade do Brasil do que o contrário, e vem tentar recuperar o posto de principal parceiro comercial de nossas terras tupiniquins. Por qualquer ângulo que se olhe – da esquerda à direita, passando pelo centro -, ele fracassou no governo dos EUA, o que se reflete em uma popularidade constantemente em queda, enquanto Dilma é eleita representando um governo com índices recordes de aprovação. Obama não vem em condições de fazer exigências, mas para negociar, como devem ser as relações entre quaisquer nações soberanas. E independente da vontade de Zero Hora.
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Na Página 10 da mesma edição de Zero Hora, na coluna da Rosane de Oliveira, outro ponto que merece análise. Agora, não pela contradição, mas pela identificação política. Rosane tirou da foto aqui ao lado o deputado Edegar Pretto e o secretário da Agricultura, Luiz Fernando Mainardi, assim como todo o contexto da cena. Deixou apenas o rosto do governador Tarso Genro, chamando a atenção do leitor para o boné do MST que vestia. O comentário não foi sobre sua simpatia com a causa da reforma agrária, mas uma quase saudosa lembrança do “deus-nos-acuda” que se fazia quando um governante usava este símbolo. Como se ele estivesse cometendo um crime – ou defendendo que alguém o cometesse. A colunista parece pedir que voltem as críticas ao ato simbólico.