Ensinando a roubar livros
Em minha opinião, o roubo de livros é uma atividade adolescente ou universitária. Um ladrão de livros de mais de 24 anos é um sujeito digno de lástima, a não ser que não tenha absolutamente dinheiro para obtê-los. O amor aos livros justifica o erro e esta atividade deve ser coibida pelo livreiro com compreensão, até com carinho por seu futuro cliente. Roubei muitos livros na época em que tinha entre 15 e 23 anos. Muitos mesmo. Quando chegava em casa, escrevia meu nome e a data, acompanhado da misteriosa inscrição “Ad.”, de adquirido. Nunca me pegaram. Comecemos pela ética da coisa e depois vamos às instruções.
Nunca roubarás as pequenas livrarias. Pois as pequenas livrarias foram feitas para conversar e não combinam com atitudes detetivescas. Também não se rouba onde é fácil demais e onde o livreiro atende o cliente pessoalmente. Além do mais, roubar uma pequena livraria é cololaborar com a proliferação das megalivrarias, estabelecimentos sem personalidade, de atendimento impessoal. Não se roubam livreiros que sobrevivem com dificuldades.
Nunca olharás em torno. O fundamental a quem pretenda atuar nesta área é manter o ar casual. É como colar numa prova. Se, durante uma prova, você abre sua bolsa para pegar um lápis, você não olha para o professor. Se você for colar, aja com a mesma naturalidade. Não olhe para os lados, não observe onde o professor está — evite, é claro, fazê-lo com ele a seu lado –, pois se você comportar-se como um periscópio de submarino, o inimigo irá observá-lo. Um bom método de observação é olhar as mulheres da loja. Afinal, a gente nunca cansa delas e, com a visão periférica, você nota se há alguém da loja incomodando. Se você for mulher, multiplique as duas frases anteriores por (-1).
Nunca venderão livros onde vendem mondongo. Na minha época, a vítima principal de meus roubos era o Supermercado Zaffari da Av. Ipiranga. Vender livros em Supermercados… Vender livros ao lado de de azeitonas, bifes de fígado, mondongo e alvejante é algo que desmerece a literatura e, se nossas leis fossem inteligentes, tal absurdo seria proibido. No Zaffari, o roubo era simples, mas envolvia alguns gastos. Eu pegava o livro na estante e me dirigia com ele à lancheria. Levava o livro como quem não quer nada, como se fosse seu dono. Lá, sentava-me e pedia qualquer porcaria, de preferência gordurosa. Enquanto esperava, pegava minha caneta e iniciava a leitura. Quando passava por uma parte boa ou ruim, sublinhava-as; se houvesse algo engraçado, desenhava uma carinha rindo; se triste, uma cara triste. Na última página, escrevia um número de telefone, como se ontem eu estivesse em casa com meu livro sem um papel para anotar e tivesse anotado na última página da coisa mais à mão, meu livro. Outra coisa importante é fazia era girar a capa até a contracapa, segurando o livro com firmeza, de forma a marcar a lombada. Fazia isso em vários pontos até a metada do volume. Sim, exato, você o deixará usado! Depois, é só sair do Supermercado com o livro na mão, naturalmente, à vista de todos.
Nunca terás pressa. Havia outras livrarias que colaboraram para meu acervo da época. Nelas, o método era outro. Sabemos que um bom leitor, utiliza seus livros como objetos transicionais; ou seja, ele leva seus livros aonde vai, da mesma forma que uma criança leva seu bichinho, travesseirinho de estimação e se sente mal se ele não está próximo. Então, entrava na livraria sem pressa e pegava um livro. Caminhava lentamente mais ou menos 1 Km dentro do salão. Se alguém o estivesse observando, certamente cansaria. Lá pelo meio da jornada, colocava o livro a ser surrupiado junto do livro-objeto-transicional. Caminhava mais 1 Km dentro da livraria. Chegava a cansar de ser dono daquele livro. Saía calmamente. Ficava um bom tempo na porta da livraria examinando os lançamentos, parava na frente da vitrine, demonstrava segurança, espezinhava o medo. Depois disso, podia ir para casa.
Nunca roube, a não ser que sejas estudante ou estejas desempregado. Roubo de livros não combina com salário e cleptomania. O roubo de livros deve nascer de uma necessidade absoluta, de um imperativo interno.
Nunca deixarás de examinar todas as variáveis à luz da ciência, nos dias atuais. É óbvio que atualmente, apenas quatro livrarias merecem ser roubadas: FNAC, Cultura, Siciliano e Saraiva. O resto são locais que não devem (ver Ética) ser atacados. Como já disse, não estou mais em idade de cometer tais pequenos crimes. Portanto, desconheço o método correto e apenas posso sugerir coisas. A FNAC de Porto Alegre é tão ruim que é complicado desejar alguma coisa de lá. Na Saraiva, fui poucas vezes. Conheço mais a Cultura e a Siciliano. Ora, qualquer criança sabe que o problema está naquele coisa magnetizada ou com chip que acompanha o livro. Aquilo tem de ser anulado ou retirado. Acabo de fazer um teste no livro da Carol Bensimon que recém comprei. Olha, desisti de tentar descolar, destruiria a capa. Estará a juventude de hoje destinada a pagar por todos os seus livros? E depois falem em incentivo à leitura! Olha, talvez não seja necessário pagar sempre. Há que anular o troço. Duvido que, se você colocar o objeto de desejo dentro de uma bolsa, entre papéis ou de alguma forma tapado, acordará o alarme no momento da saída. Porém, o risco é imensamente maior e nem imagino o que os homens da segurança farão com você. Outro jeito é usar a ciência e desmagnetizar a coisa. Leve ímãs, leia a respeito, pesquise. Com sofás e poltronas por toda a livraria, você pode avaliar com tranquilidade os riscos e a forma mais adequada de ler o próximo Thomas Pynchon, por exemplo. Todos nós já vimos como o caixa realiza a mágica de desmagnetizar; ele apenas adeja algo semelhante a um limpador de discos de vinil sobre a contracapa do livro. Tem um ímã ali, não? Mas concordo, é uma merda, haverá menos romantismo e mais aventura.
Nunca roubarás pockets. Sabemos que o preço do livro no Brasil é escandaloso. Para solucionar o problema, a L & PM começou a comercializar pocket books. Outras a imitaram. É uma coisa boa. Não, meu amigo, roubar esses bons livrinhos de menos de R$ 15,00 é pecado e, se você o fizer, merecerá o patíbulo.
Nunca negarás o empréstimo de livros. Um dos lugares-comuns mais ridículos que as pessoas dizem é “Não empresto meus livros”; verdadeiro clichê de quem não gosta e não confia nos amigos. Estes merecem o açoite. Imaginem que já emprestei até meu Doutor Fausto! Um livro lido e posto numa estante até o fim de seus dias é um livro que agoniza por anos. Comprar e nunca ler é fazer do livro um natimorto. Mas o pior são os do outro lado: aqueles que efetivamente não devolvem os livros tomados por empréstimo, justificando a atitude paranóica do primeiro. Estes merecem igualmente o patíbulo.
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