domingo, 20 de março de 2011

toda ditadura é uma ditadura, mas nem toda democracia é uma democracia

A ditadura do pensamento único

Jornalismo B



A comunicação é um direito universal. Todo ser humano deve ter assegurado o direito a se comunicar. As instituições que organizam a sociedade, todas criadas pelos próprios seres humanos em suas relações, precisam atuar para garantir direitos como esse. Em última instância, tudo o que as pessoas fazem durante sua vida é comunicar-se. A comunicação é a própria expressão do ser e, por isso, um ser humano só é respeitado como tal quando tem pleno direito a se comunicar. Porém, esse direito é diretamente atacado quando uma dezena de famílias decide tudo o que pode ser dito. É o que acontece no Brasil.

Os meios de comunicação têm por função primeira expandir o direito à expressão de forma que as palavras que dizemos alcancem mais do que permite a limitada voz humana. Por que alguns tem mais direito à voz do que outros? O que faz com que famílias contáveis nos dedos das mãos detenham a totalidade do direito de comunicar-se com um grande número de pessoas ao mesmo tempo, enquanto esse grande número de pessoas tem direito de comunicar-se apenas até onde sua voz humana permite? No Brasil, quem decide quem pode o que é o dinheiro e a influência política que os indivíduos detém.

As famílias Marinho, Civita e Frias controlam quase toda a mídia brasileira. O que não está nas mãos da tríade sagrada se divide entre outras poucas famílias, como os Sirotsky e os Mesquita. São os grupos empresariais comandados por esses sobrenomes que decidem tudo o que é publicado e divulgado. Toda a informação circula no país a partir do que essas famílias pensam ser relevante. Seus critérios editoriais constroem o imaginário coletivo, constroem e reconstroem a cultura, moldam a política, definem os rumos que a sociedade brasileira toma.

O espaço para o contraditório não existe. As redações dos jornais brasileiros, assim como as equipes dos mais diversos programas de qualquer das emissoras de televisão, não são independentes. Trabalham sob regras empresariais, não em direção a interesses sociais. Qualquer desvio de caminho é rapidamente corrigido através de reprimendas ou demissões.

A internet é um espaço que ainda pode ser tomado por comunicadores independentes. O fortalecimento dos blogs e das redes sociais vem trazendo novas possibilidades de fala a quem antes só podia ouvir. Mas o alcance dessas vozes ainda é muito limitado, o acesso ainda não está democratizado e o caminho a percorrer no aprendizado sobre a utilização efetiva da web é longo e feito de muitos tropeços. A televisão e os jornais ainda são os principais meios de comunicação e expressão.


A televisão teve a maior parte de seu espectro distribuído politicamente durante a presidência de José Sarney. Foi uma farra das concessões, foram beneficiados aliados políticos por todo o Brasil, fortalecendo a união entre caciques partidários e a mídia, encarcerando a comunicação e a livre expressão. Essas concessões não são revistas, embora muitas emissoras descumpram as funções sociais básicas destinadas a elas pela lei. As renovações são praticamente automáticas, tudo às escondidas da sociedade organizada.
Criou-se, dessa forma, uma falsa noção de normalidade e legalidade em uma situação absolutamente anormal e ilegal. As pessoas não sabem que as empresas de comunicação devem satisfações à sociedade. O plim plim virou um pedaço de cada brasileiro sem que a grande maioria desses brasileiros saiba que tem direitos em relação ao plim plim. As concessões são públicas, e é a sociedade, através de sua instância organizativa – o Estado – que tem o direito e o dever de escolher o que pode e o que não pode ser veiculado. Mas, apoiada em um discurso enganoso, a própria mídia impregnou o imaginário da ideia de sua legitimidade e de seus poderes ilimitados. A mídia brasileira não é uma terra sem lei. É uma terra onde uma dezena de famílias decide quais as leis e as aplica conforme for conveniente.

Todas as grandes empresas brasileiras de comunicação são diretamente sustentadas por grandes grupos empresariais de outras áreas. São as elites econômicas, aliadas às elites políticas, lutando pela manutenção de seu status social diferenciado, superior, dominante. Financiadas pelos mesmos grupos e direcionadas no mesmo interesse fundamental, as grandes empresas de mídia, ainda que tenham variações qualitativas temporais ou umas em relação às outras, afinam o discurso para construírem juntas o mesmo pensamento social. É o discurso único, sempre formulado a partir de parâmetros individualistas, competitivos e alienantes.

Com a mídia concentrada nas mãos de tão poucos, e considerando-se que estes poucos produzem, ainda que com variações, o mesmo discurso, aqueles muitos que já não tinham o direito de se comunicar com outros muitos – por não terem acesso à veiculação de conteúdo em veículos de mídia –, perdem também o direito a expressarem suas próprias opiniões aos parentes, vizinhos e amigos. Isso porque perdem a autonomia até para pensar. A voz que sai de sua boca já não é sua. Transformam-se todos, em diferentes níveis, em bonecos de ventríloquo, sentados no colo das poucas famílias que mandam no Brasil e nos brasileiros. Está constituída a ditadura.

*Artigo publicado originalmente no Canal VMTV.

Postado por Alexandre Haubrich

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