Aproveitando o domingo com o meu pai, o amor do meu pai, o amor ao meu pai
OProfessor
Hoje, pedi licença ao baitasar para ficar sozinho na redação. Não sou de mandar, mas mandei o chiru ir atrás do seu pai.
Vou fazer o mesmo, daqui um pouquinho.
Abraçar meus irmãos, todos pais.
Abraçar meu pai.
Abraçar minha mãe.
Esse pequenino espaço tem sido usado para lutar, do jeito que é possível, ao lado daqueles que nada têm e são negados por aqueles que tudo têm. Uma humanidade solidária, amorosa... construída com todos incluídos num mundo menos elitista, preconceituoso, autoritário e desigual, por la vida... siempre!
Mas eu e o baitasar cansamos de tanta dureza e sentimos vontade de brincar com a vida, brincar de faz-de-conta.
Sugeri um outro espaço sobre coisas que fazem valer a pena estar vivo e amando, e sorrindo, e abraçando, e chorando, e sentindo saudades, e planejando o dia de amanhã...
Sugiu o contos e poesia do baitasar, um lugar de encantamentos mesmo nas denúncias, nas inconformidades com a exploração de uns e umas para que outros possam comprar papel higiênico ultra macio e perfumado.
Decidido isso, como começar?
O baitasar tomou coragem e mostrou um conto que escreveu para o pai.
Uma história sobre as histórias que o pai lhe contou e conta.
Uma história que mostra a viagem que fez até as memórias de guri do seu pai. As terras onde o Velho não havia voltado, desde que partira com quinze ou quatorze anos anos. Já se foram mais de sessenta e tantos anos.
A cidade de São Francisco de Assis, aqui no Rio Grande do Sul.
E foi e foram.
O guri vive a repetir
(Nada paga a felicidade no olhar do meu pai quando chegamos. O reencontro das suas memórias de guri com o homem que ele se tornou.)
Dirigia com o olho no retrovisor, espiando o seu velho de cabelos brancos.
O reencontro na praça dos bugios com os meninos que tomavam banhos pelados no Inhacundá.
A felicidade em encontrar a sua casa da infância. Estava lá, inteira. Em pé. Abraços abertos.
Essas memórias estão no conto lembranças do meu pai, é apenas isso, memórias de amor.
Um feliz dia dos pais para todos... por la vida... siempre!
Talvez, tudo não tenha sido bem assim, mas e daí, é como lembro e gosto de pensar que foi. Depois do futebol batia aquela vontade danada de pular no Inhacundá, mas o que fazer dos calções molhados, todos se olhavam e lá iam eles pernas abaixo. Corríamos pelados até a barranca e pulávamos um após o outro, feitos pedras de dominó. Minhas lembranças ficaram naqules vôos até as suas águas límpidas de cor marrom. Cheiravam a mato. Sinto ainda estar flutuando da barranca, as pernas encolhidas, os gritos de alegria, os olhos arregalados, a satisfação dos braços estendidos junto com minhas mãos e dedos. Voltei a ser aquele guri que já havia esquecido, deixado de lado, meio a contragosto.
Nadávamos até a ilha no meio do arroio e tornávamos a saltar nas águas
Sinto o sonho do sono invadir os lugares mais retirados do meu corpo. Minha consciência vai me abandonando, quase adormeço do mesmo modo que sempre digo que devem descansar, confiantes, sem medo do escuro, pois, no final, sempre vencemos a escuridão. Continuo a conduzir as histórias do real, gostosas lembranças de guri. Eu sou o que existe de fato, o andamento dos compassos recolhidos dentro da memória. Intacto. Descobri o tempo de dizer o que decifrei do tempo que também sou.
OProfessor
Hoje, pedi licença ao baitasar para ficar sozinho na redação. Não sou de mandar, mas mandei o chiru ir atrás do seu pai.
Vou fazer o mesmo, daqui um pouquinho.
Abraçar meus irmãos, todos pais.
Abraçar meu pai.
Abraçar minha mãe.
Esse pequenino espaço tem sido usado para lutar, do jeito que é possível, ao lado daqueles que nada têm e são negados por aqueles que tudo têm. Uma humanidade solidária, amorosa... construída com todos incluídos num mundo menos elitista, preconceituoso, autoritário e desigual, por la vida... siempre!
Mas eu e o baitasar cansamos de tanta dureza e sentimos vontade de brincar com a vida, brincar de faz-de-conta.
Sugeri um outro espaço sobre coisas que fazem valer a pena estar vivo e amando, e sorrindo, e abraçando, e chorando, e sentindo saudades, e planejando o dia de amanhã...
Sugiu o contos e poesia do baitasar, um lugar de encantamentos mesmo nas denúncias, nas inconformidades com a exploração de uns e umas para que outros possam comprar papel higiênico ultra macio e perfumado.
Decidido isso, como começar?
O baitasar tomou coragem e mostrou um conto que escreveu para o pai.
Uma história sobre as histórias que o pai lhe contou e conta.
Uma história que mostra a viagem que fez até as memórias de guri do seu pai. As terras onde o Velho não havia voltado, desde que partira com quinze ou quatorze anos anos. Já se foram mais de sessenta e tantos anos.
A cidade de São Francisco de Assis, aqui no Rio Grande do Sul.
E foi e foram.
O guri vive a repetir
(Nada paga a felicidade no olhar do meu pai quando chegamos. O reencontro das suas memórias de guri com o homem que ele se tornou.)
Dirigia com o olho no retrovisor, espiando o seu velho de cabelos brancos.
O reencontro na praça dos bugios com os meninos que tomavam banhos pelados no Inhacundá.
A felicidade em encontrar a sua casa da infância. Estava lá, inteira. Em pé. Abraços abertos.
Essas memórias estão no conto lembranças do meu pai, é apenas isso, memórias de amor.
Um feliz dia dos pais para todos... por la vida... siempre!
lembranças do pai
Inhacundá
baitasar
As lembranças daquele arroio, dos meninos pelados correndo, jogados nas suas águas, não me deixam. As marés das chuvas crescendo e suas águas no contorno da minha cidade, São Francisco de Assis, é outro lembramento que aviva minhas carnes.
Os cabelos brancos não me afastam destas memórias, pelo contrário, a cada novo fio pálido de leite, meu memorial se reconstrói. As minhas carnes ficam com doze anos, o fôlego me volta de uma só vez, os olhos se arregalam, esbugalhos de contentamento.
Não tenho precisão das fotos, pois tenho a vida, conservo as lembranças. Escuto os gritos de convocação
baitasar
As lembranças daquele arroio, dos meninos pelados correndo, jogados nas suas águas, não me deixam. As marés das chuvas crescendo e suas águas no contorno da minha cidade, São Francisco de Assis, é outro lembramento que aviva minhas carnes.
Os cabelos brancos não me afastam destas memórias, pelo contrário, a cada novo fio pálido de leite, meu memorial se reconstrói. As minhas carnes ficam com doze anos, o fôlego me volta de uma só vez, os olhos se arregalam, esbugalhos de contentamento.
O arroio se chegando, tem curvas de sinuosas intenções.
Tenho mais que a nostalgia poderia me trazer, tenho a memória do vivido com aqueles guris.
Voltei.
Precisava voltar.
Achei quase tudo no lugar. Minha casinha humilde com seu telhado de telhas em canoa. A porta. Janelas. As mexeriqueiras sumiram e as terras se dividiram para abrigarem muitas casas. Mas a praça e os bugios ainda andam por lá, viraram atrações. Os matos se acabam e resta a praça com os seus macaqueadores. Os turistas se vêm para alimentá-los e se fotografarem juntos. Fico de longe.
Não tenho precisão das fotos, pois tenho a vida, conservo as lembranças. Escuto os gritos de convocação
(Milton, vamos jogar bola na beirada) (Vó Nena, posso) (Vai, mas cuida a hora do sol mais fraco) (Tem pão quando eu voltar) (Bem quentinho)
E lá se iam os guris de São Chico na direção do arroio Inhacundá. A pelada se jogava com bola de costuras por fora nem parecia que doía chutar. O guri que eu era crescia entre os amigos, enquanto meus irmãos se foram pra capital mudar de vida. Deixaram a absoluta calmaria pela agitação das charretes e fords bigodes. Burburinho civilizatório.
Talvez, tudo não tenha sido bem assim, mas e daí, é como lembro e gosto de pensar que foi. Depois do futebol batia aquela vontade danada de pular no Inhacundá, mas o que fazer dos calções molhados, todos se olhavam e lá iam eles pernas abaixo. Corríamos pelados até a barranca e pulávamos um após o outro, feitos pedras de dominó. Minhas lembranças ficaram naqules vôos até as suas águas límpidas de cor marrom. Cheiravam a mato. Sinto ainda estar flutuando da barranca, as pernas encolhidas, os gritos de alegria, os olhos arregalados, a satisfação dos braços estendidos junto com minhas mãos e dedos. Voltei a ser aquele guri que já havia esquecido, deixado de lado, meio a contragosto.
Nadávamos até a ilha no meio do arroio e tornávamos a saltar nas águas
(Silêncio) (Psiu) (O que foi) (Ouçam) (Não to escutando) (As gurias estão se banhando arroio acima) (Vamos espiar)
E íamos espiar os banhos das gurias, com seus maiôs de manga e pernas compridas. Quando nos viam saiam nas correrias. Todos fugiam. As gurias gritando; nós, sorrindo. Cúmplices. Voltávamos a buscar calções e calças.
Lembro dos dias de chuva dentro do rancho. Não sei se o rumo dos sonhos viaja no tempo e chega a terra de lugares distantes, para mudar as lembranças, apenas atravesso a rua. Eis a agonia de percorrer o tempo e lugares antes que o estalar dos dedos se faça ouvir. Caminho com as mãos nos bolsos e passos deliberadamente lentos. Tenho a pele avermelhada pelo sol radiante e mergulhada em sua luz devastadora. A vasta cabeleira negra cedeu lugar ao cabelo encanecido pelo tempo, cortado baixinho. Digo que estou ainda inteiramente ingênuo e, até esse tempo, represento por inteiro aquele menino.
Paro e tomo fôlego, ouço minhas preces ocultas. As vozes dos guris.
Ninguém percebe minha alegria do espanto, o eco me retorna. Sou aquelas memórias que só existem em mim. Fui feito em muitos anos. Lutei em muitos moinhos e sonhos, devaneios de guri feito homem sozinho. Esses pedaços da memória que me pertencem me fazem de carne e osso.
Tenho oitenta, e sei, sempre terei doze. Aquele guri do Inhacundá chegou até aqui e pretende ir mais longe, Nada é tão simples, meus filhos, do que viver. Sou um narrador intrometido nos próprios sonhos de lembrar. Sinto saudades da escola que não fui, fugia para jogar bola e tomar banho de rio. Sinto a ausência das letras que deixei pelos caminhos sem decifrá-las. Fiz um mundo diferente para mim. Tenho meus grandes heróis, brilhantes e universais. Quero reunir todos e todas que enquanto dormem sonham e são felizes.
Lembro dos dias de chuva dentro do rancho. Não sei se o rumo dos sonhos viaja no tempo e chega a terra de lugares distantes, para mudar as lembranças, apenas atravesso a rua. Eis a agonia de percorrer o tempo e lugares antes que o estalar dos dedos se faça ouvir. Caminho com as mãos nos bolsos e passos deliberadamente lentos. Tenho a pele avermelhada pelo sol radiante e mergulhada em sua luz devastadora. A vasta cabeleira negra cedeu lugar ao cabelo encanecido pelo tempo, cortado baixinho. Digo que estou ainda inteiramente ingênuo e, até esse tempo, represento por inteiro aquele menino.
Paro e tomo fôlego, ouço minhas preces ocultas. As vozes dos guris.
Ninguém percebe minha alegria do espanto, o eco me retorna. Sou aquelas memórias que só existem em mim. Fui feito em muitos anos. Lutei em muitos moinhos e sonhos, devaneios de guri feito homem sozinho. Esses pedaços da memória que me pertencem me fazem de carne e osso.
Tenho oitenta, e sei, sempre terei doze. Aquele guri do Inhacundá chegou até aqui e pretende ir mais longe, Nada é tão simples, meus filhos, do que viver. Sou um narrador intrometido nos próprios sonhos de lembrar. Sinto saudades da escola que não fui, fugia para jogar bola e tomar banho de rio. Sinto a ausência das letras que deixei pelos caminhos sem decifrá-las. Fiz um mundo diferente para mim. Tenho meus grandes heróis, brilhantes e universais. Quero reunir todos e todas que enquanto dormem sonham e são felizes.
Sinto o sonho do sono invadir os lugares mais retirados do meu corpo. Minha consciência vai me abandonando, quase adormeço do mesmo modo que sempre digo que devem descansar, confiantes, sem medo do escuro, pois, no final, sempre vencemos a escuridão. Continuo a conduzir as histórias do real, gostosas lembranças de guri. Eu sou o que existe de fato, o andamento dos compassos recolhidos dentro da memória. Intacto. Descobri o tempo de dizer o que decifrei do tempo que também sou.
Isso, eu sou o guri que nunca deixei de ser. No mundo dos sonhos estou apenas usando minha memória, lembrando do que desejo sonhar de novo, coisas que podem ser acontecidas. Sigo fazendo o meu discurso, o meu abraço em vocês, meus filhos, desses que acontecem de vez em quando, pelo mundo desta ilha de muitos sabores.
Hiiiippppp, estou a flutuar da barranca, as pernas encolhidas, os gritos de contentamento, os olhos arregalados de satisfação e os braços estendidos junto com suas mãos, meus filhos. Meus cabelos nevados se arrepiam, envelheceram. Minhas memórias pulam ansiosas, gritam alegres.
A magia é um mundo aberto sem porteiras.
Volto a servir o mate em cuia pequena...
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