O grande Moacyr Scliar
Correio do PovoJuremir Machado da Silva
Morreu Moacyr Scliar.
Os bons partem quase sempre na frente.
Quando morre uma pessoa como Scliar, a gente pensa em como a conheceu.
Eu eu era jovem repórter esportivo na Zero Hora.
Tinha pretensões ao jornalismo cultural.
Estava preparando uma matéria sobre o Bom Fim.
Nílson Souza, meu editor, sugeriu-me falar com o Scliar.
Mandei-lhe um recado pelo precursor do e-mail, uma espécie de intranet que era a grande sensação do jornal em fase acelerada de informatização. Pedi-lhe um material.
Uma tarde, um senhor magro e de barbicha rala surge na minha frente estendendo um envelope.
Olho para ele sem entender.
Depois de alguns minutos, ele ri:
– Sou o Moacyr Scliar, cara.
Fiquei boquiaberto. Quase pedi um autógrafo.
Anos depois, ele me convidou para tomar um café, em Paris. Às oito da manhã.
E aí me deu um conselho: "Briga sempre pelo que acreditas, mas, em caso de alguma derrota, ri".
Muitas vezes Scliar tentou abrir caminho para meus livros.
Nos últimos dois anos, tive a sorte de encontrá-lo algumas vezes.
Uma delas, no Rio de Janeiro, no aeroporto. Ele me ofereceu uma carona:
– É para te acostumares com o carro da Academia Brasileira de Letras.
Uma vez, desembarcamos juntos em São Paulo.
Meu velho amigo gaúcho radicado em Sampa Bernardo Issler estava me esperando.
Ao vê-lo, Scliar disparou:
– Não esquece de devolver o meu livro.
– Fica tranquilo – riu o Bernardo.
No carro, perguntei ao Bernardo:
– Quanto tempo faz que ele te emprestou esse livro?
– Vai fazer 50 anos.
Minha lembrança mais engraçada de uma conversa com Scliar, de quem reli nestas férias o grande "Mes de cães danados", foi num dos meus momentos de dúvida. Conversávamos ao telefone:
– Estás escrevendo cada vez melhor, Juremir.
– É, Moacyr, mas ninguém me considera escritor.
– Posso te mandar um certificado.
Moacyr Scliar foi um craque do humor, da narrativa fina e da sutileza interpretativa da alma humana.
Na última vez que o vi, ano passado, estávamos, na Feira do Livro, ele, Sinval Medina e eu, dividindo uma mesa sobre a revolução de 30, que completava 80 anos. Medina com seu "A batalha de Porto Alegre", eu com "1930, águas da revolução", e ele com seu belo "Eu vos abraço, milhões". A sala não estava cheia. Scliar ironizou:
– Acho que 80 anos não é um bom número. Dentro de 20 anos, haverá mais público.
Postado por Juremir Machado da Silva - 27/02/2011 09:28 - Atualizado em 27/02/2011 16:56
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