terça-feira, 28 de dezembro de 2010

ainda com a dominical em mãos(?) então acompanha a análise

O desafio de falar uma coisa e dizer outra


Pra começar, mudar o foco da discussão. Entre ontem e hoje, Zero Hora mostrou-se especialista na arte de enrolar o leitor. A reportagem de capa da edição deste domingo, o último de 2010, é sobre os oito anos de Lula na Presidência. Com o título “A Era Lula: As marcas que ficam” e subtítulo “Imagens inusitadas e o legado, positivo e negativo, de oito anos de mandato”, espera-se uma reportagem baseada em imagens para contar alguns pontos principais deste começo de milênio no Brasil.

As páginas 4, 5, 6, 8 e 9 são dedicadas à reportagem de capa. Destas, as três primeiras, ou seja, mais da metade, logo no início, as primeiras a serem lidas, não tratam de Lula. Falam da família Stuckert. Contam a história do filho, fotógrafo oficial do presidente, do pai, que clicava Figueiredo, e do irmão, que deve seguir os passos de Dilma a partir de janeiro. Não é a história de Lula através das fotos de Ricardo Stuckert, mas a história dos fotógrafos tendo o Planalto como pano de fundo. Uma página para cada um (aqui, aqui e aqui)


Quer dizer, na última edição dominical de Zero Hora enquanto Lula ainda é presidente, em vez de falar de seu governo, trata de seu fotógrafo e da família de seu fotógrafo. Estratégia simples de não apelar mas não dizer o que não quer. Zero Hora não gostaria de ter que dedicar páginas a enaltecer o governo. Criticar excessivamente, por outro lado, soaria arrogante, mostraria um escorregão grotesco nas linhas da verdade, que provavelmente não seria bem aceito pelos leitores.

Das cinco páginas, duas são dedicadas ao governo. São quatro colunas no pé de cada uma delas. Cada coluna com menos de 7 centímetros. Uma foto grande e a manchete (“Chega ao fim a Era Lula”) na página 8. Na 9, uma comparação entre as coisas boas e as ruins dos oito anos, com espaço igual dos dois lados, uma seleção de frases e uma coluna de três foto-legendas com o título maldoso de “Gosto pelo poder”. Detalhe: na primeira das fotos, Lula estende os braços a uma criança negra; na segunda, mal aparece coberto pela futura presidente, a quem abraça de forma carinhosa (e para quem passa o poder, sem nenhum rancor ou inveja, fique bem claro); por fim, Lula com as mãos cobertas de petróleo.


Ao dedicar o mesmo espaço e número de itens para o que foi bem e para o que foi mal no governo Lula, o jornal incorre em uma falsa simetria, derrapa no erro de conferir a esse quadro a igualdade de espaço entre “os dois lados da questão”, como costumamos aprender nas faculdades de jornalismo. Derrapa feio, porque o caso é outro, e aí não se aplica. 

Porque, ao elencar com o mesmo grau de importância as coisas boas e as ruins, confere a elas tamanhos equivalentes, como se o governo tivesse sido 50% bom e 50% ruim. Considerando os 83% de aprovação do governo e os 87% de aprovação pessoal de Lula, vê-se que, para a imensa maioria da população, o governo foi muito mais bom do que ruim. É um paralelismo tosco que gera interpretações equivocadas.







Depois da comparação, o jornal separou quatro frases de Lula, como uma espécie de ilustração. A primeira fala sobre igualdade, as duas seguintes sobre mensalão e a última é aquela em que Lula disse que queria tirar o povo da merda e a imprensa em peso condenou o presidente por falar palavrão. Foi essa a seleção que Zero Hora foi capaz de fazer de oito anos do presidente com mais capacidade verbal que o Brasil já teve, mais rico em expressões orais. Se isso não é mau-caratismo, confesso que não conheço o nome.

O texto na parte inferior da página 9 leva o título “Escândalos rivalizam com avanços sociais”. Ou seja, das cinco páginas de reportagem, cerca de um terço de página, quatro colunas de menos de 7 centímetros, 2.330 caracteres (este post tem 4.620) de fato são dedicados a um chocho balanço do governo.

As cinco páginas são coroadas com o comentário de Rosane de Oliveira na página 10 da mesma Zero Hora: “O comportamento do presidente Lula não é de quem está em fim de mandato, mas em começo de campanha”. Hein?

A editora de política é também machista

Rosane de Oliveira mostra-se não só uma crítica do governo Lula e do ainda nem iniciado governo Dilma. Mostrou hoje que também é machista, ao afirmar que, “Prestes a se tornar uma das mulheres mais poderosas do mundo, Dilma Rousseff não esquece os velhos amigos do tempo em que era conhecida apenas como a companheira de Carlos Araújo”. Quer dizer, Dilma é reconhecida pelo seu potencial porque é poderosa. Antes disso, mesmo tendo uma história de luta, de militância política e de trabalho, era apenas a mulher de seu marido. A ofensa, neste caso, não é à presidente eleita, mas a todas as mulheres.

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